sexta-feira, 8 de junho de 2012

Respire


Respire fundo. Respire fundo. Respire fundo. Respire fundo. Respire fundo.
Respire fundo. Respire fundo.
- Então, acho que você está roubando meu oxigênio.
- Desculpe, acho que eu não consigo.
- Ahhhh, nada disso! De hoje não passa. Anda logo. Ele está logo ali.
E então ela me deu um empurrão. E quando olhei para trás ela fez sinal com
as mãos para que eu continuasse em frente.
Respire. Não se esqueça de respirar.
Ok, é só por um pé na frente do outro. Ele está bem ali. Com a mesma
camisa preta e calça jeans de sempre. E com seus fones.
Essa não! Ele vai me odiar se eu interrompê-lo enquanto ele escuta música!!
É, melhor deixar para outro dia mesmo!
Mas quando dou meia volta lá está ela me olhando de braços cruzados. E ela
não está feliz.
Tá. Vamos tentar de novo.
Respire, respire e respire. Um passo, dois, três... Estou a menos de um
metro das costas dele. Mais um passo. Agora basta eu esticar o braço.
Minha sorte que ele esteja de costas para mim e absorto nos seus próprios
devaneios para me notar.
Arrisco esticar meu braço e meus dedos ficam a centímetros dele. Minha
boca está seca, minhas mãos suadas e frias. E acho que, se não estivesse de
fones, ele já teria ouvido meu coração.
Abro a boca, mas nenhum som sai.
Respire, respire, respire.
Não vou parar agora.
Vai ser no três. Isso. No três.
Um... E ele virou para trás.
E eu me perdi. Fui completamente nocauteada por aqueles malditos olhos.
Acho que ficamos nos encarando por alguns segundos, que pareceram
séculos.
Até que ele tirou os fones e perguntou:
- Você está bem?
Mas eu não consegui responder. Em parte porque ele estava muito perto, em
parte porque estava começando a ver uns pontos pretos na minha visão.
Por entre os pontos pretos ele parecia preocupado, mas talvez fosse
impressão minha.
De repente, ele segurou firme meus ombros e ele estava tão quente que meu
coração deu um salto e eu puxei uma enorme quantidade de ar para os meus
pulmões.
Respirar. Eu tinha me esquecido de respirar! Meu Deus, esse cara vai acabar
me matando!
Quando me recupero totalmente, estou sentada num banco próximo, e ele
está sentado também. Foi muita maldade da parte dele ter olhado para mim
de novo logo quando eu estava quase voltando ao normal. Mesmo que tenha
sido para perguntar:
- Você quer que eu te leve ao hospital?
Ah claro! Assim vou ter diagnóstico médico de que estou com paixonite
aguda!
- Ah... Não...Eu...Ah... – então eu fiz um demente joinha para indicar que eu
estava bem.
- Você ainda está pálida. Faz tempo que você comeu? Espere aqui. Vou
comprar alguma coisa.
Não, não faça isso. Não seja bonzinho. Não roube o pouco de sanidade que
me resta!
Ok, pelo menos, já que ele foi posso me recompor.
Respire fundo. Respire fundo. Respire fundo. Respire fundo.
E lá vem ele. Com sorvete.
- Foi a comida mais próxima que eu achei. – ele disse me entregando um
sorvete. – Então, você está melhor? Pareceu que você tinha perdido o ar ali
atrás. Isso acontece sempre?
Quando você está perto, com muita freqüência.
- Ah, eu tenho... Asma! – eu disse tentando me esconder atrás da minha
casquinha de chocolate.
- Sério? Pensei que ataques de asma fossem... Diferentes.
- Eu sou um caso especial!
Alguém me ajude!
- Entendo.
- Olha, eu já estou me sentindo bem agora. Obrigada.
Porque você está praticamente mandando ele embora???
- Então tudo bem. Tchau.
Ele se levantou e se virou. Num impulso eu ergui o braço e puxei a manga da
camisa dele. Do que me arrependi na mesma hora. Porque deve ter sido
ridículo. E quando ele olhou para mim. Eu fiquei estática.
- Ei, você está vermelha! Está sentido mal de novo?
Respire, respire, respire.
- E-e-e-e-e-e-e-eu-eu...Ahm.. Eu não tenho asma! – Alguém me faça parar! –
é que eu, as vezes esqueço de respirar.
- Como assim?
- Tipo... quando vo-vo-vo-você fica perto demais. – a cada palavra meu voz ia
se tornando mais baixo.
Eu devo estar da cor um tomate, ou pior.
Mas pude ver que ele ergueu as sobrancelhas e depois sorriu. Mas um
sorriso doce. E malandro ao mesmo tempo.
- Então, se por um acaso você ficar sem ar... – e ele foi se aproximando mais
e mais, até que o rosto dele estava a milímetros do meu e eu já não estava
mais conseguindo raciocinar.
Tendo em vista meu estado físico- emocional é completamente plausível que
eu tenha desmaiado depois do final da frase:
- Então, se por um acaso você ficar sem ar, já que a culpa vai ser minha, eu
tenho permissão para te ajudar com uma respiração boca-a-boca?


segunda-feira, 4 de junho de 2012

Salto Alto


- Eu já mencionei que eu odeio salto alto?
- Já, eu parei de contar na milésima vez. Deixa de ser fresca Yumi!
Infelizmente, sua altura não te ajuda então você tem que usar saltos para
dar uma força, né!
Ah, essa é minha melhor amiga, sempre vendo meus pontos fortes!
- Tá, mas por que tinha que ser agulha e não plataforma?
- Porque agulha é bem mais lindo né!
- Oh meu Deus! – eu disse colocando as mãos no rosto e fingindo espanto –
como não pensei nisso! Quem se importa se meus pés caírem depois dessa
noite não é?
Ela me deu um empurrão e achei que fosse cair ( não consigo me equilibrar
em cima disso!), mas ela mesma me segurou.
- Não sei do que está reclamando! Eu ainda fui gentil e deixei que você
viesse de calça jeans.
- Quanta gentileza de sua parte Lê! Sinto-me lisonjeada!
- Pare com esse sarcasmo! Estou tentando te ajudar!
É mesmo. Uma ajuda que, a propósito, eu nunca pedi.
Tudo isso é culpa do Dave. O novo namorado dela. Ele é muito gente boa, não
me leve a mal, mas graças a ele eu virei uma vela. Daquelas bem grandes!
Então Lê se sentiu culpada e resolveu que hoje ela iria arrumar um namorado
pra mim. Assim, todos nós poderíamos sair juntos! Isso é tão lindo que até
me dá náusea.
Enfim, ela fez aquela cara de cachorro que caiu da mudança, então eu
concordei em deixar ela me arrumar pra festa. Assim, aqui estou eu, com o
rosto entupido de maquiagem, uma blusa com um decote que destaca o busto
que eu não tenho e um sapato com um salto que deve medir o tamanho do
meu antebraço e da finura de um palito de dente (eu estar de pé deve ser
considerado um milagre divino!). O que me consola é minha boa e velha calça
jeans.
Nós duas saímos do metro e estamos caminhando até o local da festa do seilá-
quem. Então chegamos.
Bom, vou pular a parte vergonhosa em que minha melhor amiga tenta me
jogar em cima de mil garotos fedendo a álcool, e o desastre ecológico que
estava o banheiro e, não, eu não me arrisquei a abrir a porta de um dos
quartos.
Ok, voltando ao presente.
Aqui estou eu andando até o metro, sozinha ( eu não vou nem chegar perto
da Lê até essa minha vontade assassina passar, mas eu mandei uma
mensagem pra ela avisando que estou viva e indo para casa... e que vou matála).
Estou com a merda dos sapatos nas mãos e com a jaqueta que eu roubei
de um dos jovens bêbados,( ei, ele disse que eu podia ficar com ela, a culpa
não é minha se ele não estava são) e começou a chover. É claro que começou
a chover. Porque nenhuma desgraça vem sozinha.
Posso sentir toda a maquiagem escorrendo pelo meu rosto, e isso é muito
refrescante.
Mesmo estando um trapo, desço as escadas do metro um tanto contente por
estar indo para casa.
Até que sinto uma pontada de dor na sola do meu pé e solto um grito. E caio
da escada.
Sorte que faltavam só dois degraus.
Sento e vejo o culpado. Um caco de vidro. Oba!
Então eu puxo o caco para fora do meu pé. E dói. E eu xingo alto.
Só ai que eu reparo que tem um cara assistindo a cena toda. Quando
percebe que foi notado ele se abaixa perto de mim e pergunta:
- Você está bem?
Eu olho pra mim mesma. Molhada, borrada e com o pé sangrando.
- Sério que está me perguntando isso?
- Ah, certo. Foi uma pergunta estúpida. Vem, eu te ajudo a levantar.
Eu aceitei a ajuda. Eu não iria a lugar nenhum sozinha.
Então ele me levou até o banheiro (feminino), lavou meu pé e estancou a
ferida. Enquanto fazia isso, reparei, seus olhos verdes estavam muito
concentrados. Mas, não consegui deixar de me admirar com delicadeza,
porém firmeza, com a qual ele fazia tudo. E quando ele rasgou a manga da
camiseta para fazer uma atadura a ficha caiu.
- Você é médico? – ele parecia muito novo para se médico. Parecia ser uns 2
a 3 anos mais velho do eu mesma.
- Pretendo ser. – ele disse sorrindo para mim.
Quando ele terminou, eu agradeci e ele ficou comigo (servindo de apoio) até
o metro chegar. Nós conversamos um pouco e eu descobri que nome dele era
Nicolas. E algumas outras coisas. Tipo, que a faculdade dele é no meu bairro
e que, por um acaso, fica no caminho para a minha loja de quadrinhos e
mangás preferida (sim, tenho 16 anos e leio comics, algum problema?) e que
ele também frequenta essa loja.
Daí, o metro chegou. E nós nos despedimos.
Sentada sozinha com um leve formigamento no pé esquerdo, no meu colo
estava o maldito par de sapatos. Que talvez não fossem tão malditos assim.