sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Está Tudo Bem?


Quando as pessoas me perguntam se está tudo bem eu sempre sorrio e digo
que tudo está bem, mesmo que meu coração esteja quebrado, mesmo que eu
sinta que vou cair, mesmo que eu tenha vontade de chorar, mesmo que eu
esteja morta por dentro. Sempre irei responder: “está tudo bem” e quem
sabe um dia alguém verá um lampejo de tristeza passar pelos meus olhos e,
olhando bem firme pra mim irá perguntar:
- Está mesmo, tudo bem?
E se não estiver, dessa vez, tenho certeza que o meu sorriso irá se
desfazer e lágrimas, devagarzinho, tomarão o seu lugar. E, se essa pessoa
tiver coragem, ela tentará pará-las ou então enxugá-las. E eu serei
eternamente grata, por ela ter REALMENTE perguntado “está tudo bem?” e
estar interessado na resposta. Por ter visto aquilo que tentei tornar
invisível aos olhos de todos.
Porém, o que mais temo é que as pessoas vejam o que tento esconder atrás
do meu sorriso, mas tem medo de perguntar de novo. Tem medo da minha
resposta.
Entretanto, não as culpo.
Só gostaria que, antes de fazer uma pergunta, pensassem muito bem,
porque a resposta nem sempre é agradável.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Presente


Nós estamos parados, perto da sorveteria. E eu não acredito no que ele
disse, e apesar de estar feliz, tento parecer brava.
- Eu pensei que tinha dito que não queria nada.
- É você disse mesmo, mas eu não estou nem aí. Eu quero te dar um presente.
Ele está com as mãos nos bolsos da calça e usando aquele All Stars que eu
dei a ele séculos atrás. Já está gasto e desbotado e eu já mandei jogar fora,
mas ele se recusa.
Isso meio que me deixa feliz.
- Então, já escolheu?
Eu suspiro, fecho os olhos e depois abro um e olho pra ele.
- Você não vai desistir vai?
- Não. – e então ele dá um sorriso torto. O sorriso que eu conheço e amo a
tanto tempo.
Depois dessa afirmação, começamos a andar e conversar sobre coisas
aleatórias, rindo e caçoando secretamente das pessoas que passavam. E,
admito, não estava prestando nenhuma atenção nas vitrines, tinha esquecido
completamente o propósito daquela caminhada. Por isso ele me pegou de
surpresa quando perguntou:
- E então, viu alguma coisa interessante?
- Ah... Eu... – Droga! Nem me lembro em que lojas nós passamos! Pense! –
Hem, por que não comprou o meu presente você mesmo como sempre? Seus
presentes são sempre ótimos!
Agora foi a vez dele de gaguejar. Foi uma série de “ahs”, “bons” e “É que”
até que ele virou de costas pra mim e sussurrou alguma coisa.
- O que disse? – e eu me desloquei pra frente dele de novo.
Ele estava um pouco vermelho e começou a coçar a cabeça e olhar pra todos
os lados, menos pra mim. Aquilo era um tanto fofo.
- Responda a pergunta! – e eu segurei a rosto dele com as mãos o fazendoele
olhar pra mim. E sorri.
Isso pareceu acalmá-lo. Então ele ergueu as mãos pro alto e depois os
colocou atrás da cabeça e olhou pra cima.
- Tá legal, você me pegou! Eu só queria uma desculpa pra poder sair com
você sem que parecesse... Sabe, pra que não ficasse nervoso e suando como
porco e não falando nada direito e...
- E ficar do jeito que está agora?
- É, acho que meu plano não deu muito certo. E eu acabei de estragar tudo
não foi? Quer dizer, não dá mais pra fingir que é só amizade agora.
Se ele não estivesse tão envergonhado e olhasse pra mim, veria que eu
estou mordendo o lábio e tentando não chorar. Então viro as costas pra ele,
não consigo olhar pra ele ainda.
- Sabe, eu vi uma coisa que eu gostei de verdade, lá perto da sorveteria.
Posso sentir ele finalmente olhando pra mim e depois de um tempo, ele
finalmente diz:
- Ótimo, vamos lá então.
Ando o caminho todo um pouco a frente dele, nós dois em silêncio.
Quando chegamos no lugar exato onde começamos eu paro e espero ele
ficar ao meu lado. Olho de esguelha pra ele, mas ele está olhando pra frente,
então diz, tentando parecer alegre:
- E então onde está a coisa que você gostou?
- Olha, se tivesse se dado ao trabalho de olhar pra droga da minha cara
certamente já saberia o que é! Porque o caminho todo de volta pra cá eu não
consegui tirar esse sorriso idiota da minha cara, estúpido! – então ele se
virou pra mim com uma cara muito estranha, como se não acreditasse – Aqui,
é isso que eu quero.
E eu segurei a mão dele.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Bote Salva-Vidas


Estou afundando. Porém, não lenta e suavemente. Estou afundado como se
houvesse uma âncora amarrada ao meu tornozelo. O ar vai escapando dos
meus pulmões mais rápido do que a luz dos meus olhos.
Ar,ar, busco desesperadamente e, num ato impensado, solto minha
respiração. Então meus pulmões, antes vazios, agora estão cheios de água. E
tudo vejo, é escuridão.
Será que ainda estou consciente? Será que estou sonhando?
Ouço alguém chamando meu nome, estou morta?
Impossível, se estivesse não estaria sentindo dor ou frio.
Quando abro os olhos há um rosto na minha frente, um rosto preocupado,
mas não quero saber que é.
Meus pulmões estão cheios de ar, mas ainda sinto dor. E, mesmo sem
espelho, sei que não há luz nos meus olhos.
Percebo que estou sentada numa cadeira, abraçada aos meus joelhos e o sol
brilha lindamente no céu, como se tudo fosse belo.
E então o brilho diminui e estou sendo puxada de novo, me falta ar...
Aquele rosto continua olhando pra mim e falando coisas, mas não quero ouvir.
Ora veja só, mais uma vez estava eu me afogando nas minhas próprias
lágrimas puxada pra baixo pelas minhas tristezas.
Olho para a pessoa ao meu lado, e tento sorrir, mas sei que estou chorando
porque ela apertou minha mão e seu rosto continua franzido.
Queria poder agradecê-la, acho que foi ela que impediu que eu me afogasse,
mas as palavras não saem.
Então eu só a abraço bem forte e prometo a mim mesma que não irei soltar.
Não irei largar meu bote salva-vidas, não até chegarmos a terra.

domingo, 8 de janeiro de 2012

Acostumar


Eu acabei me acostumando a você. Sua voz, seu sorriso, seu cheiro.
Nossas conversas, nossos risos, nossas brincadeiras. Acostumei-me com
essa maldita primeira pessoa do plural.
No começo, ficar sem você não fazia falta. Mas você não se afastou, ao
contrário de todos, você permaneceu. Porém, não pra sempre.
Na verdade, você foi o mais cruel de todos.
Você esperou, esperou e eu, tola, baixei a guarda.
Agora me pergunto: Você planejou tudo isso?
O que antes me trazia felicidade, agora me dilacera.
Quando tento lembrar é triste. Porque eu não me esqueci. Eu não me esqueci
de nada.
Até mesmo do fim, quando eu esperava suas atitudes costumeiras e elas não
aconteciam.
Eu sei que pode parecer que é puro comodismo. Que, na verdade, eu nunca
senti nada. Mas o fato é que, eu não gosto da palavra “gostar” afinal, é algo
muito subjetivo não acha? Parece uma coisa que acontece de uma hora pra
outra e assim acaba.
Uso “acostumar” porque é um processo lento, acontece por fases. É difícil,
mas no final acaba tudo se acertando, nem sempre pra melhor, mas se
acertando.
Eu havia me acostumado a você. A nós. E me pergunto quanto tempo vai levar
para que eu me acostume de novo com o “eu”.
O que me deixa esperançosa é que, quando se trata de acostumar, tudo se
acerta no final, nem sempre pra melhor, mas se acerta.


quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

A estante mais alta


AH! Como eu odeio essas estantes! Por que os livros que eu quero sempre
tem que estar tão altos? E não tem sequer um banco ou escada nessa
biblioteca cheirando a mofo!
Que fim esses pobres livros levaram.
Em me ergo o máximo que posso, nas pontas dos meus tênis e estico o meu
braço, mas só minhas unhas roçam as lombadas gastas.
Eu tento alcançar dando pulinhos, porém é inútil. E penso que a cena deve
ter sido ridiculamente engraçada.
De repente, o cheiro de mofo fica mais fraco e começo a sentir um cheiro...
não sei...bom.
Me viro para procurar o responsável por aquele milagre e bato de cara com
uma camisa preta. Tentando me afastar, bato a nuca na estante e livros
caem sobre mim. E eu finalmente caio sentada.
- Ei, você está bem? – diz uma voz masculina, deve ser o senhor-camisapreta.
Quando abro os olhos ele está abaixado na minha frente, e percebo que seus
jeans são rasgados.
- Ei, está me ouvindo? – dizendo isso, ele colocou a mão no meu rosto,sua
mão era grande e quente, mas gentil. E eu senti que estava ficando vermelha.
Como reflexo, tentei me afastar dele e bati, pela segundo vez, minha nuca
na estante e mais uma vez, livros caíram.
- Ai! Droga! De novo?!
Então eu pude ouvir sua risada.
- Parece que você arranjou um jeito de pegar os livros altos, hem?
- É, só não é um jeito saudável. – e enquanto falava esfregava minha cabeça.
- Desculpe, a culpa foi minha. Quando fui pegar o livro pra você acabei te
assustando.
Foi ai que ergui minha cabeça. E a primeira coisa que reparei foi que ele
tinha um piercing no lábio inferior e que seus olhos eram negros, pareciam
até sem fundo.
- Ah... É... Tá tudo bem. – o cheiro, é dele.
- Era esse livro que você queria certo? – eu olhei para suas mãos, que
continham o livro que eu estava tentando pegar.
Então eu estiquei o braço e segurei o livro e puxei, mas ele não soltou.
- Ah, era esse sim, obrigada.
- Na verdade, eu também queria esse livro pra estudar. Você iria levá-lo pra
casa?
- Não, eu ia estudar aqui.
- Então nós não poderíamos estudar juntos?
Duvido que eu vá conseguir estudar alguma coisa com você perto de mim.
- Claro. Tudo bem.
- A propósito, sou Greg. E você? – e então ele esticou a mão pra me ajudar a
levantar.
- Nadia. – E quando segurei aquela mão quente, pensei que fosse derreter.
Depois disso, arrumamos a bagunça que eu fiz e passamos a tarde toda
estudando e conversando. Quanto mais o céu ia escurecendo, mais eu rezava
pra que ele fosse mais devagar.
Apesar da aparência, Greg era gentil e educado, e muito engraçado.
Quando o sol se pôs, eu relutantemente levantei e disse que iria embora.
- Espera, eu te acompanho. – Quando ele disse isso, em meio aos seus
cabelos, pude ver suas orelhas ficarem vermelhas – Quer dizer... Não é
seguro uma garota andando a noite sozinha.
- Adoraria companhia. – e essas palavras foram recompensadas com o
sorriso mais lindo que já vi, e o piercing dava um charme. – Você poderia
colocar o livro na estante? Amanhã eu voltarei pra estudar mais. Colocar em
uma estante mais baixa seria bom.
- Tudo bem.
Enquanto me dirigia para a saída, pude ver. Ele colocou o livro na estante
mais alta.
Após guardar o livro, ele olhou na minha direção, e percebeu que eu havia
visto.
Mesmo de longe, pude ver ele corar, então ele veio andando com as mãos nos
bolsos, ele e seu cheiro bom.
Então ele me alcançou, e nós fomos caminhando em silêncio. Até que ele
disse:
- Você não está pensando em ir com um sapato alto amanhã, está?